Andreia Debon - @andreiadebon
Num jantar entre amigos, em meio a algumas garrafas de vinhos, o seu colega ao lado dispara: "esse vinho tem aroma de grama levemente molhada". Você cheira a bebida, gira a taça, cheira mais uma vez e nada sente. Não se desespere. Reconhecer os aromas de um vinho não é uma tarefa fácil e está diretamente ligada a memória olfativa de cada indivíduo. Por isso, não se intimide ao ver seu amigo reconhecer certos aromas e você não, ou ver que experts reconhecem diversos aromas numa única taça. Tudo é uma questão de treino. "A nossa memória olfativa não é trabalhada para sentir os aromas das coisas. Vamos numa feira, apalpamos a fruta, provamos, mas não cheiramos. Devido a isso, colocamos em nossas memórias olfativas as situações e não a origem do aroma", diz o sommelier e enólogo, Vinícius de Miranda Santiago. É por isso que muitas vezes, ao sentirmos um aroma podemos lembrar de situações passadas, pessoas ou lugares que conhecemos, mas não conseguimos indentificar a fragância que trouxe as recordações. A memória olfativa é associativa e corresponde a um grande arquivo de sensações experimentadas ao longo da vida, exercitando-a é possível aprender, reconhecer e nomear os aromas. Uma boa dica é frequentar as feiras de frutas, casas de chás, mercados de flores e raízes e cheirar (isso mesmo, pegue cada objeto e cheire). "Para nos acostumarmos com os aromas devemos sentir o cheiro de quase tudo o que vemos pela frente, pois só assim seremos capazes de reconhecer um aroma e associar a sua origem", frisa Santiago. Outra dica é participar de cursos de degustação que forneçam e instiguem a treinar e decifrar os aromas do vinho.
Fases distintas
Num vinho podem se identificar várias centenas de compostos aromáticos. Conforme artigo do pesquisador da Embrapa Uva e Vinho, Celito Crivellaro Guerra, as substâncias aromáticas da uva constituem o chamado aroma varietal, que é formado por substâncias não aromáticas, que podem tornar-se aromáticas (precursores) e por moléculas aromáticas (aromas livres). Esses aromas são sentidos pelas vias áreas direta e indiretamente. "Sentimos também pelas vias retro-olfativas. Quando engolimos algo, sentimos o seu aroma. E no vinho quanto mais tempo isso permanecer nessas vias, melhor será o vinho", destaca Santiago.
Os compostos aromáticos são divididos em três grupos. O aroma primário advém da própria uva e é fácil de ser identificado. Em geral, lembra flores (jasmim, rosas) e frutas frescas e está presente em vinhos jovens. Há vinhos que só possuem esse aroma. O segundo aroma é o resultado do processo das fermentações alcoólica e maloática. Do conjunto de reações que ocorrem nessa fase, nasce o aroma fermentativo, constituído, principalmente, por álcoois, ésteres, compostos carbonilados, sulfurados e fenóis voláteis. A maior parte dos aromas dos vinhos se forma nessa etapa.
A fase final é aquela proveniente da barrica e da garrafa. Nessa parte, os aromas se intensificam e tornam-se mais complexos. O carvalho, por exemplo, serve para arredondar a bebida, mas nem todos os vinhos precisam passar por ele. Enquanto ele está dentro da barrica haverá uma troca de aromas entre o vinho e a madeira. Em geral, formam-se os aromas de tabaco, café, chocolate, coco, caramelo, mas isso também depende da tostagem da barrica. "Um vinho de alta qualidade, após certo tempo de envelhecimento em garrafa, guarda ainda resquícios de seu aroma primário; mantém intacto parte do aroma secundário e desenvolve um suntuoso aroma terciário", escreveu o pesquisador, Celito Guerra.
Para facilitar todo esse processo, o sommelier Vinícius Santiago fornece algumas dicas. A primeira delas é se basear sempre na rota dos aromas (corresponde a uma tabela desenvolvida nos Estados Unidos que divide os aromas em uma classificação geral como: frutado, floral, especiarias e condimentos, animais, vegetais, mineirais, químicos, queimados, amadeirados e outros). "O mais fácil para achar cheiros é procurar por grupos aromáticos e dentro de um grupo aromático tentar descobrir o aroma. Por exemplo: no grupo aromático frutado poderá ter cereja, cassis, amoras...", ensina. Outra indicação está na análise olfativa de cheirar a taça vazia para sentir, por meio da película, que aroma permaneceu. "Mas, a principal característica que um vinho precisa ter no sentido aromático é ser agradável. Um vinho pode ter mais de 1.500 aromas e eu não reconhecer nenhum, desde que o aroma esteja agradável, do que identificar todos e o aroma estar desagradável", afirma Santiago.
Os aromas mais comuns
Vinhos brancos
Sauvignon Blanc: frutas frescas, cítricas, pêssego, notas florais (jasmin e flor de laranjeira), manjericão, pimentão verde, eucalipto, hortelã.
Chardonnay: abacaxi, melão, mel, banana, baunilha, coco, nozes, manteiga, pão tostado.
Riesling: lima, tangerina, resina, aromas cítricos.
Gewürztraminer: flores brancas (cítricas e de bosque), rosas, flor de acácia, frutas (lichia, maçã, pomeio, lima), damasco.
Vinhos tintos
Cabernet Sauvignon: frutas vermelhas (cereja, amora), carvalho, cedro, baunilha, menta, pimenta.
Merlot: carvalho, café, amora, ameixas pretas, cassis, framboesa.
Pinot Noir: cereja, ameixa, rosas secas, framboesa, pimenta-do-reino, amora, mirtilo, tostados, baunilha e especiarias.
Syrah: azeitona preta, amora preta, cereja, ameixa, pimenta-do-reino, cravo, canela, chocolate amargo, alcatrão.
Tannat: menta, chocolate, ameixas pretas, baunilha, frutas maduras.
* Essa classificação não significa que todos os vinhos terão esses aromas, mas condiz com as sensações aromáticas mais comuns e que podem ser percebidas.
Barricas de Carvalho
O envelhecimento em barricas de carvalho também agrega aromas ao vinho. São eles:
Carvalho europeu (francês): coco, nozes, cravo, pimenta preta, tabaco.
Carvalho americano: baunilha, noz-moscada, castanha, frutas secas, cedro, especiarias.
Carvalho com tostagem leve: casca de banana, mel, creme de cacau, chocolate branco, resina.
Carvalho com tostagem média: amêndoas tostadas, caramelo, chocolate, café tostado, café expresso.
Carvalho com tostagem forte: pão tostado, fumo, folhas secas, grafite, madeira, chocolate preto, grafite.
Foto/Divulgação
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