
O Ossobucco, que em dialeto milanês é "oss bus" (osso com um buraco), é um dos pratos mais antigos dos lombardos. Já nos anos 700 se tem conhecimento do preparo dessa iguaria na região. Era tido na época como um prato de "gourmet". Seus ingredientes básicos são: ossobuco (stinco de vitela), farinha, manteiga, azeite, cebola, vinho branco seco, sal, pimenta e caldo de carne. A carne preconizada é a de vitela, mas pode-se usar também a de vaca e em algumas regiões até a de porco.
Essa carne é obtida ao se cortar transversalmente a canela da perna traseira ou dianteira do animal, sendo a da traseira claramente de melhor qualidade. Esse pedaço é o nosso músculo (chambão), uma carne de "segunda" de mais difícil cozimento, porém tremendamente saborosa (lembrem-se que as carnes quanto mais junto aos ossos são mais irrigadas e mais saborosas, haja visto a costela de boi). O tomate, como é uma iguaria do Novo Mundo, só foi introduzido na receita a partir do século 18, ou seja no início de dos anos de 1700, e é dessa época que se tem a primeira receita escrita de Ossobuco. Tão importante quanto a carne é o molho que a acompanha, a Gremolata, uma mistura de salsinha bem picadinha, raspa de limão (preferivelmente de limão siciliano) e um dente de alho triturado.
Os passos para seu preparo são simples, porém tem alguns truques, "os pulos do gato". Resumindo, refoga-se a cebola finamente triturada na manteiga e no azeite em fogo bem baixo; quando a cebola estiver transparente, acrescenta-se os ossobucos previamente farinados de ambos os lados. Aqui surge o primeiro pulo do gato: corta-se, perto do osso, a membrana de envolve o ossobuco para que durante o preparo ele não se deforme e rompa.
Segundo pulo do felino: a espessura da carne não pode ter mais de 3cm, pois senão o cozimento não vai ser uniforme. Quando a carne empanada estiver com coloração de fritura acrescenta-se o copo de vinho branco seco deixando-o reduzir, ajusta-se a pimenta e o sal ao gosto e finalmente adiciona-se o caldo de carne pré-aquecido. Deixa-se cozinhar lentamente com a panela tampada e em fogo muito baixo, por hora e meia a duas, cuidando-se sempre para não deixar secar o molho. Faltando 5 minutos para finalizar acrescenta-se a Gremolata. Está pronto, pode-se saboreá-lo sem acompanhamento, ou servido com um risotto alla milanese, ou ainda, com polenta mole.
A carne de vitela, assim como os condimentos utilizados, são discretos e os vinhos que podem harmonizar com o ossobuco devem também ser "recatados". Embora na receita participe um copo de vinho branco o Oss Bus vai muito bem com vinhos tintos de pouco tanino. Se o branco for a escolha, deve-se buscar um de sabor pleno e marcante.
Se o preparo não tiver o suco de tomate, um Dolcetto casará bem com o prato, pois a doçura da cebola combinará com a do vinho, harmonizando-se por similaridade. Outra pedida é um Pinot Noir delicado, não muito potente ou de forte extração (senão o vinho passará por cima dessa preciosidade lombarda). O vinho branco não deve ser muito aromático, mas com uma boa presença na boca, de temperamento e corpo. Um Hermitage ou um Chardonnay sem muita barrica (cuidado com os taninos da barrica nova) combinam muito bem. O Ossobuco é um prato de certa gordura e a acidez do vinho age neutralizando-a e limpando as papilas gustativas para uma próxima garfada, assim vinhos com boa acidez, quer tintos quer brancos, devem ser os preferidos.
Se preparação for mais moderna, usando-se o tomate como ingridiente adicional, pouco mudará o perfil do vinho de harmonização, mas os Toscanos Chianti ou Rosso de Motalcino (ambos os grandes preferidos do molho ao sugo) dialogarão perfeitamente no dialeto milanês do prato.
Resta para o gran finale o tutano. Muitos o utilizam para elaborar à parte, um molho untuoso rico de sabores, outros como eu, preferem munidos de uma colher fina e longa "pescá-lo" e sorvê-lo de um só bocado para uma viagem final ao Eden gustativo.
Texto escrito pelo estudioso em enogastronomia, Edecio Armbruster, especialmente para a Bon Vivant